E a poesia transbordou...
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- Categoria: Feminismo
- Publicado: Sábado, 25 Abril 2020 02:08
- Escrito por Super User
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Os relatos do cotidiano das mulheres durante a pandemia de coronavírus transbordaram poesia. Assim, iniciamos um cantinho poético na parceria Espaço Monica Aiub e Editora FiloCZar.
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Mãe faz o quê? - Mitze Rodrigues
Puta que pariu.
Derrubar o sistema
Esse é o lema.
Mas que caminho tomar,
Quando nem dentro de casa as rédeas se pode tomar.
Por favor faz isso aqui,
Olha as crianças ali.
Sai do sofá e lava essa louça
Que na máquina eu vou colocar a roupa.
Mulher eu trabalho a semana toda
Eu to cansado
Seus filhos estão chorando.
E você só vive reclamando.
Que porra macho,
Seus filhos tem babá?
Sua roupa quem é que lava?
E a droga da tua marmita?
Foi fantasma que fez?
Nem o recipiente tu lava
Que desculpa você vai usar dessa vez?
Um dia eu vou cansar,
E quando eu sair não adianta correr atrás.
Se sair como que vai cuidar dos teus filhos,
Se sou eu que trago o zimbo pra dentro dessa casa?
Você me magoa e não vê.
Aliás será que me enxerga?
Será que minhas lágrimas pode enxugar?
Silêncio,
Silêncio..
Tem criança gritando
Tem criança chorando
E nós aqui brigando.
Eu vou fazer porque com você falar não serve.
Você acha que eu sou tua serva?
Eu preciso gritar pra me ouvir
A vontade que tenho é de fugir.
Família, porra de família.
Fizemos juntos.
Mas filho é de quem mesmo?
Amamentar, restrição de sono, criança doente.
Se vira mulher.
Amanhã tenho que trabalhar
E minha marmita pronta tem que estar.
Tá ruim pra você? Trabalha fora pra você ver.
Fica em casa e NÃO FAZ NADA.
Caralho mulher, chego em casa e só tem cobrança,
Aonde foi que firmei minha aliança?
Mano eu cansei,
Não te falo mais nada.
Dos MEUS filhos vou cuidar
E um dia você vai sentir na pele sua omissão paterna.
Enquanto isso eu vou lutar
Esperando o tempo passar.
Filho é de mãe.
Desde sempre.
Se mãe trabalhasse fora
Dos filhos em casa também cuidaria.
Ser mãe não dá ferias.
Mãe pelos filhos morreria.
Mãe morre, mesmo sorrindo.
Mãe morre quando deixa de ser mulher.
Mãe morre quando não é ouvida.
Mãe morre quando com a dor ela lida.
De quem é esse filho aqui?
Milhares de famílias se encontram nessa condição. Mulheres são silenciadas no mundo, mas sobretudo dentro de casa, colocadas ao papel de submissas, vistas como papel social obrigatório de maternagem. Se tem mãe pra fazer por que o homem precisa fazer?
É um jogo de poder e persuasão baseado no EU TRABALHO, e VOCÊ NÃO.
E a mulher se submete, sua prioridade é manter seus filhos bem, custe o que custar, mesmo que seja sua felicidade. O sistema ensina isso pra gente. O sistema que está preso nas paredes da nossa casa, nos incentiva a abaixar a cabeça, a pensar nas necessidades, a pensar no perdão que autodestrói. A insistir no que nos machuca.. em nome do que? Do amor? Que amor é esse?
Escombros - Lu Ederlezi
Eu olho pra baixo meu amor,
Um abismo
Olho pra cima
Os destroços da minha alma
Mas olha meu amor: ainda brilha!
Desajeitada nas minhas roupas de dormir
E eu que ainda nem dormi...
Eu só sei fazer planos e planos a noite toda
Respiro e seguro o ar nos pulmões
E agradeço a algum Deus que esteja passando estar respirando
Aqui nos escombros
Respirar é um luxo
Queria poder beijar seus lábios num desses suspiros em que escapo
Tristeza e desejo num beijo desesperado
Eu não vou morrer!
Eu quero o direito de viver um amor cheio de defeitos
Quero discutir por besteiras
E depois fazer as pazes
Quero dividir o doce do pote
Contar o que sobrou do nosso dinheiro pra ir ao cinema
Eu fico acompanhando as notícias meu amor
Quero levar Malu pra ver o mar com você
Tirar o cochilo da tarde na rede
Ver o nascer do Sol
Ver o pôr do sol
Fazer o café da manhã te esperando trazer pão quentinho da padaria
Amor, quero ver seus defeitos e ainda assim sentir que não há nada de errado com você
Quero ficar em silêncio pelos mortos segurando a sua mão
Deixar a lágrima rolar
Um dia vamos, nós também, amor, mas espere!
Ainda não fomos defeituosamente felizes, temos esse direito
Te espero aqui nos escombros, meu amor, até logo.
Deus - Lu Ederlezi
Que Deusa sou eu?
Que Deusa me criou?
Será que não sou ninguém?
Mas que ninguém eu sou?
E se sou ninguém que Deus me extinguiu?
Que Deus me ignora?
Eu ignoro algum Deus?
Eu não tive a intenção
Que Deus é o seu?
É melhor que o meu?
Me empresta seu Deus?
Ele existe e você é ninguém?
Ou Ele não existe e você é alguém?
Ele também te abandonou?
Se está com você me leva junto?
Me deixa ficar com vocês?
Será que estou enlouquecendo?
Ou só fazendo poesia pra algum Deus?
Que Deus?
Flores na Janela - Zuleide Mendes
A cena que hoje me impactou foi uma mulher plantando flores na janela
O que importa se vamos adiar em um ano projetos que fizemos e que nem eram nosso
O que importa se o ano letivo ficou prejudicado, o vestibular adiado, o mestrado não acabado, o trabalho modificado
A Rainha Economia perdeu seu trono para o vírus que viria
Vírus que é de morte, que é forte, espelho refletor de nossa ausência
Nessa ingerência, há muito os mares choram suas perdas, as florestas deixaram de encantar e os animais perderam o seu morar, mas nada serviu para nos alertar
Os vírus souberam que aqui podiam procriar, pois era casa desprotegida, era casa sem dono, sem a força da igualdade
Onde poderiam usurpar o trono e saquear a liberdade.
As nossas cidades já estavam vazias de humanidade, as praças já estavam secas de sombras frescas
Pessoas já estavam famintas, desabrigadas e feridas de solidão, de falta de irmão
O vírus veio para assustar, mas não vai ficar, veio só alertar
Para alguns vai deixar herança amarga na lembrança dos que ficarão na memória
Pode ser professor dos que viverão, mas para muitos será apenas história
Quem sabe se com esse momento de sobressalto consigamos descer do salto
Restabelecer o amor que libera o ser
Entender a sabedoria do retroceder
E com esse fenômeno imaginar, não como quimera
Que é possível crescer e, ainda assim, ter flores na janela.
Relojoeiro - Lunna Lince
Estão me tirando tudo!
Mas o que era meu mesmo?
Alguma coisa é da gente nesse mundo?
As ruas, as praças, o canto dos pássaros
O caminhar até a padaria, sentir o cheiro do café de balcão.
Eram minhas essas coisas?
Quando eu sentia que meu esforço tinha uma finalidade.
Era bom.
Tinha finalidade?
Quando terá fim?
A filosofia me deixou triste, porém lúcida.
A religião me deixou feliz por uns dia, porém tosca.
Poucos são os que me entendem ou fingem emtender
Eu sou lucida?
Você é?
Minha filha é minha?
Eu sou filha ainda?
Nada mais é meu e se foi era provisório.
Já não tenho a minha mesa favorita no canto da padaria
O lugar de sempre
Para ler Neruda e pedir mais um café pra não perder a estrofe
O livro nem era meu
Era do dono da loja de relógios antigos que também está fechada
O seu bom dia eu não tenho mais.
Seu livro ainda está comigo.
Ainda o devolverei?
Esteja vivo relojoeiro quero minha vida de volta.
Cavalos Selvagens na Praia - Lu Ederlezi
Quando você vai sozinho na beira do mar
seu espírito revolta as ondas
Um elemento
Uma energia
Uma solidão cheia de tanta coisa!
Estou dentro da solitude de seus pensamentos?
Questões se formam em sua mente
E as energias ancestrais descendem dessa agonia
Você não sabe se é devaneio mas surge uma manada de corcéis negros da cor de seu cabelo.
Velozes, começam a correr entre você e o mar, por dentro de você. Alguns brincam, outros estão furiosos, outros com um olhar sereno tocam o focinho no seu rosto.
Vem um deles, o mais forte e mais brilhante de todos pega você a galope, rápido,implacável, percorre o vento do mar, por entre cascata de ondas...
Você gruda em suas crinas e grita, grita o mais alto que pode!
Sorrindo feito menino.... e o alivio, a paz se instalam no seu coração.
Seus pensamentos selvagens, os verdadeiros sentimentos, seus cavalos e sua mente... as ondas recuam.
Sozinho na praia e eles se foram, por enquanto.
Respire agora.
Estou aqui.
Libélula - Lu Ederlezi
Meu amor,
Veja só que triste...
A libélula azul nunca mais pousou na minha janela!
Eu não sei porquê mas sinto que isso não é um bom presságio.
Mesmo você não sendo a pessoa certa pra eu contar essas minhas coisas.
A alma te escolhe, mais forte do que a consciência.
A teimosia do meu coração quer te contar das coisas que estão derretendo
Das que estão desbotando
Flores sem água
Vasos sem plantas
Bocas sem beijos
Braços sem abraços
A paixão perdida por aí, na luz da lua, sozinha sem corações abertos pra entrar.
Eu quero te falar e falar para que doa. Dói sim.
Vai doer em você e eu sou cruel por isso quero te dar esse poema para você chorar, para doer em você também.
Eu quero te falar que o sol brilha, mas é só lá fora.
Eu quero te falar que você não é amor da minha vida, só quando eu quero que seja.
Eu que te falar que a libélula é sua alma, é você, covarde ou preso, tanto faz.
Eu quero por a culpa em você, das noites sem amor que passei chorando.
Dizer que você é o Sol que se esconde atrás das nuvens.
Que o nosso amor são as tintas derretidas, a cores desbotadas, eu sou a flor sem água e o vaso vazio é você.
Vazo vazio, sem terra que não soube me florescer.
Vi´ja - Lu Ederlezi
A flor da pele de qualquer poesia, a dor é o mais simples fruto dos exílios.
Agora daqui, já não sinto aquela mesma magia.
A ponta do dedo do destino também, quem sabe, não se confundiria?
É linda a chuva. Mas quando ela vai parar?
Eu só preciso de um minuto na rua, e eu vou correr para encontrar um atalho nessa vida que com a espada que corte tudo o que há de ruim.
E se depois de tudo passar, mesmo assim, cairmos juntos na mesma harmonia,
que a tempestade nos surpreenda, ainda resta um banho de chuva para lavar a alma.